BRAZIL - Se ONG bancada pelo CV entra no MJ e o presidente não recrimina, o que esperar da segurança pública?

Episódio mostrou que crime está mais organizado que o órgão responsável por monitorá-lo e esse é o tema central, não o embate por fake news nas redes

Lula e Dino deveriam se preocupar com o aspecto mais importante desse episódio: o de que o crime parece se mostrar mais preparado que o Estado nesta guerra. | 📷 Wilton Junior/Estadão


O episódio das reuniões envolvendo integrante do Comando Vermelho no Ministério da Justiça, revelado pelo Estadão, traz inúmeras lições e preocupações, e uma das mais duras é a percepção de que o crime está mais organizado do que quem tem a missão de combatê-lo. É especialmente preocupante a reação do governo e, em especial, do Palácio do Planalto, que, em vez de recriminar um flagrante caso de incompetência administrativa, prefere a batalha de comunicação em torno de notícias falsas espalhadas pela oposição.

O ponto mais central da questão não é, evidentemente, o barulho em torno das mensagens distorcidas que colocam o ministro Flávio Dino nessas reuniões realizadas por seus secretários, mas o fato de que aquele órgão que deveria estar monitorando a atuação do crime não consegue perceber nem mesmo que algum desses criminosos possa estar sentado na cadeira ao lado, apresentando propostas e influenciando em suas ações. Se o Ministério da Justiça e Segurança Pública não consegue monitorar um membro do Comando Vermelho entrando no prédio da Pasta e participando de reuniões, como podemos crer que é capaz de enfrentar uma máquina de crimes que se espalha pelo País traficando com armas de grosso calibre, controle territorial e usando de braços econômicos para lavar o dinheiro e se inserir na sociedade sem ser notado?

Enquanto o crime utiliza falsas organizações do terceiro setor, empresas, lobistas e personagens que circundam o mundo político, o poder público mostrou que não consegue nem checar antecedentes de quem pisa na sede de comando do combate ao crime. Pior: nem sequer pergunta o nome de quem vai estar presente, como ficou claro e só foi corrigido agora, depois do estrago que o episódio causou.

Parece difícil acreditar na efetividade de ações como as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos ou o apoio a um igualmente ineficiente governo do Estado do Rio de Janeiro, esse com suas estruturas ainda mais carcomidas pela infiltração do crime organizado.



Governo anunciou GLO no Rio de Janeiro e apoio ao governo do Estado no combate a milícias e facções, mas episódio do MJ mostra que problema é bem maior. | 📷 Pedro Kirilos/Estadão

É fato que o ministro Flávio Dino é bombardeado nas redes por seus opositores, com especial interesse pelo fato de que ele figura entre os favoritos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e por haver o rancor gerado pelas declarações ácidas em embates com seus adversários políticos. E, claro, há fake news contra ele sendo espalhadas na esteira do grave erro cometido por seu ministério. É justo inclusive que ele procure a Justiça contra quem o faz. Mas achar que isso é o mais importante para o governo e que a primeira declaração do presidente sobre um escândalo dessas proporções deveria ser apoiar o ministro e colocar essa campanha como prioridade mostra descompasso com aquilo que o Brasil de fato precisa. Vale o mesmo para o próprio ministro e para seu secretário-executivo e pretenso substituto, Ricardo Cappelli, que deveriam focar no principal recado do episódio.

Pesquisas de opinião apontam que a área de segurança pública é a que tem a pior avaliação no governo atual. O fracasso das políticas para a área não vem deste governo que ainda não completou um ano. As coisas não chegaram ao ponto em que estão sem um paulatino crescimento que não tem culpa ideológica. Governos à direita e à esquerda, em todos os níveis, fracassaram no combate a um mal que se alastra pelo país ao longo de décadas. Mas o primeiro passo para virar o jogo é reconhecer o tamanho do problema e cada erro que propicia que o crime se fortaleça. Como o que foi apontado pelo Estadão. Essa é a prioridade, e não o abraço político. A eleição acabou há mais de um ano, e o brasileiro quer soluções. O resto não lhe interessa.

Por Ricardo Corrêa/Estadão
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