GUERRA NA UCRÂNIA - É hora de negociar? O que o ataque a um hospital pediátrico ucraniano diz sobre este momento do conflito (dia 866 da guerra)

Hospital pediátrico Ohmatdyt, em Kiev. | 📷 X

Nesta segunda-feira (8), os ataques russos contra várias cidades na Ucrânia, que fizeram pelo menos 36 mortos incluindo num hospital pediátrico, chocaram a comunidade internacional. Moscovo nega que quisesse atingir as instalações, mas na Europa e entre os aliados da NATO os atentados fazem disparar alarmes, na véspera da cimeira da NATO. Eis os destaques do 866º dia de guerra

Apesar de protagonistas como Viktor Orbán quererem acelerar a “paz”, a situação no campo de batalha sugere que ainda há combates intensos e muita luta de ambas as partes. A exaustão é apenas o resultado dessa atividade. Pasi Paroinen, analista no Black Bird Group, um think tank finlandês de informação de código aberto, afirma, em declarações ao Expresso, que “a ofensiva de verão russa ainda está a avançar, pelo que é pouco provável que os russos estejam verdadeiramente dispostos a negociar de boa-fé, independentemente da situação política no Ocidente”.

Em várias cidades ucranianas foram esta segunda-feira sentidos os efeitos da ofensiva russa. Na capital, Kiev, um hospital pediátrico teve de ser evacuado, depois de um ataque russo ter deixado as instalações sem energia, oxigénio e água, informou a “BBC”. As crianças que ali estavam a ser tratadas foram transferidas para outros hospitais, disse o ministro da Saúde da Ucrânia, Viktor Lyashko, aos jornalistas. “O mais importante hoje é não entrar em pânico, mas ajudar a salvar o maior número de vidas possível”, disse, sabendo que os ataques russos desta segunda-feira mataram pelo menos 36 pessoas e feriram 150 em toda a Ucrânia.

“É um ato terrível de terror, e fico em lágrimas ao ver quantas pessoas vieram ajudar-nos na limpeza”, prosseguiu Viktor Lyashko, acrescentando que estavam a ser realizadas três cirurgias no momento do ataque. O presidente da Câmara de Kiev, Vitali Klitschko, afirmou que pelo menos 17 pessoas, sete das quais crianças, ficaram feridas no ataque à capital ucraniana. Onze pessoas morreram em vários outros locais da região de Dnipropetrovsk.

Os médicos estimam que o hospital pediátrico de Kiev tenha ficado destruído “a 60 ou 70%”. Trata-se do maior hospital deste tipo na Ucrânia. Tem também, segundo a “BBC”, a reputação de ser um dos melhores centros de tratamento para crianças com cancro do sangue na Europa Central e de Leste.


Prometendo retaliar, Volodymyr Zelensky acusou a Rússia de atacar deliberadamente o hospital Ohmatdyt, que descreveu como um dos mais importantes hospitais pediátricos da Europa e da Ucrânia. Numa publicação nas redes sociais, o Presidente da Ucrânia escreve: "A Rússia não pode alegar ignorância sobre para onde voam os seus mísseis, e deve ser totalmente responsabilizada por todos os seus crimes. Contra as pessoas, contra as crianças, contra a humanidade em geral. É muito importante que o mundo não permaneça em silêncio sobre isto agora, e que todos vejam o que a Rússia é, e o que está a fazer."

O recém-eleito Governo do Reino Unido também reagiu aos ataques, transmitindo que o Reino Unido não inverterá a sua posição de apoio à Ucrânia. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, descreve o que aconteceu no hospital pediátrico como o "ataque mais terrível contra civis ucranianos".

“Devemos responsabilizar os responsáveis ​​pela guerra ilegal de Putin”, argumentou Lammy. Na mesma linha, o primeiro-ministro Keir Starmer assegurou que não vacilará no apoio a Kiev. Recorrendo às redes sociais, condenou o “ataque a crianças inocentes” definindo-o como a “mais depravada das ações”.

A Itália foi mais longe e acusou a Rússia de cometer um crime de guerra. O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani, pediu a condenação internacional da Rússia. “Estou impressionado com as imagens dos atentados em Kiev, que também atingiram um hospital pediátrico. Crimes de guerra que devem ser condenados por toda a comunidade internacional”.

A ONU também condenou os atos russos. O secretário-geral da ONU, António Guterres, qualificou como "particularmente chocantes" os atentados. "Realizar ataques contra civis é proibido pelo direito internacional, e esse tipo de ataque é inaceitável e deve cessar imediatamente", disse o chefe da ONU, num comunicado lido pelo seu porta-voz.

“É injusto que as crianças sejam mortas e feridas nesta guerra”, afirmou também Denise Brown, coordenadora humanitária para a Ucrânia. “De acordo com o Direito Internacional Humanitário, os hospitais têm uma proteção especial", lembrou.
No entanto, o Ministério da Defesa russo nega que tenha ordenado o lançamento de mísseis contra alvos civis nesta segunda-feira na Ucrânia. De acordo com Moscovo, os militares russos tinham como alvo apenas “locais industriais militares e bases aéreas ucranianas”. O Ministério da Defesa russo atribuiu, assim, às defesas antiaéreas ucranianas a destruição em Kiev.

Além do hospital pediátrico na capital da Ucrânia, houve uma série de ataques em todo o país. Destroços de mísseis caíram também num centro médico no distrito de Dniprovsky (região de Kiev), e sete pessoas morreram. Outras sete pessoas morreram num centro comercial no distrito de Solomyansky. Pelo menos dez pessoas morreram em ataques na cidade de Kryvyi Rih, no centro da Ucrânia. Outras três pessoas morreram em Pokrovsk, uma cidade no leste.

Estes ataques coordenados com mísseis russos contra a Ucrânia ocorrem pouco antes da cimeira da NATO em Washington, em que Zelensky deverá apelar aos aliados e em que pedirá mais sistemas de defesa Patriot. “Penso que, para que qualquer negociação de cessar-fogo tenha verdadeiramente qualquer possibilidade de sucesso, os russos devem ser obrigados a perceber que já não podem ganhar nada com o uso de armas”, diz ao Expresso Pasi Paroinen. “Isto significa um apoio contínuo à Ucrânia, mesmo que a coligação de aliados que a defende possa diminuir, na sequência de mudanças de poder nos EUA ou em França”. O apoio militar à Ucrânia já estava no topo da agenda da cimeira da NATO, mas agora ser-lhe-á dado maior sentido de urgência.
Nem tudo são más notícias para a Ucrânia. Os ataques ucranianos às linhas de abastecimento russas deixaram as unidades russas com carência de alimentos, água e munições. Essa escassez condicionou a nova invasão de Moscovo na região nordeste de Kharkiv, na Ucrânia, de acordo com comandantes ucranianos que partilharam interseções de comunicações de rádio e telefone. A notícia é avançada pelo jornal “The Washington Post”, que também revela que a informação foi corroborada em interrogatórios militares a prisioneiros de guerra russos.

As interseções e as extensas entrevistas com 10 comandantes e soldados ucranianos que operam na linha da frente em Kharkiv – incluindo os que monitorizam as comunicações russas e que questionam os prisioneiros de guerra imediatamente após serem capturados – pintam um retrato de tropas terrestres russas cada vez mais desesperadas , que estão a perder pessoal e ímpeto.

As Forças Armadas da Rússia, que superam largamente as da Ucrânia em número, continuam numa forte vantagem na região, apoiadas por centenas de enormes bombas planadoras que atingem semanalmente as posições ucranianas na linha da frente. Mas as tropas ucranianas impediram em grande medida as conquistas territoriais russas. De acordo com os analistas dos serviços de informação britânicos, a Rússia sofreu em maio o maior número de baixas diárias desde o início da invasão, em fevereiro de 2022, com pelo menos 1200 soldados russos a serem mortos ou a ficarem feridos todos os dias.

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