O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). | 📷 Andre Borges/EFE
Faltando cinco dias para o segundo turno das eleições municipais em 51 cidades, o resultado eleitoral obtido no primeiro turno evidencia que o antipetismo segue como uma força política relevante, mesmo com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República. Há um contraponto: tendo eleito 248 prefeitos, o PT cresceu em relação ao último pleito, mas ainda está longe de 2016, quando elegeu mais de 600 gestores municipais.
Por outro lado, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os partidos do centrão aproveitam o enfraquecimento do PT para avançar em importantes frentes eleitorais. As disputas à prefeitura em Fortaleza (CE) e em Natal (RN) chamam a atenção para uma tendência antes não vista em redutos eleitorais do PT. Ambas as capitais estão inseridas em estados comandados por petistas, como o governador Elmano de Freitas e a governadora Fátima Bezerra. A expectativa era que, com o apoio da máquina estadual, os respectivos candidatos petistas — Evandro Leitão e Natália Bonavides — estivessem na disputa com mais tranquilidade, o que não ocorreu.
De acordo com levantamento feito pela Quaest em Fortaleza, André Fernandes (PL) e Evandro Leitão (PT) se encontram empatados numericamente, com 43% das intenções de voto cada um. A margem de erro é de três pontos percentuais.
Já em Natal, o instituto Paraná Pesquisas mostrou que Paulinho Freire (União Brasil) soma 50,9% da preferência do eleitor, enquanto Natália Bonavides (PT) chega a 38,9% das intenções de voto.
Metodologia Quaest Fortaleza:
900 entrevistados pela Quaest entre os dias 15 e 17 de outubro de 2024. A pesquisa em João Pessoa foi contratada pela Televisão Verdes Mares LTDA. Confiança: 95%. Margem de erro: 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Registro no TSE nº CE-01540/2024.
Metodologia Paraná Pesquisas Natal:
760 entrevistados pelo Paraná Pesquisas entre os dias 14 e 17 de outubro de 2024. A pesquisa foi contratada pelo próprio Instituto Paraná de Pesquisas e Análise do Consumidor Ltda. Confiança: 95%. Margem de erro: 3,6 pontos percentuais. Registro no TSE nº RN-00006/2024.
Antipetismo foi impulsionado com escândalos e crise econômica
Antes de o bolsonarismo se consolidar como força política, em 2018, a rejeição ao partido de Lula e de Gleisi Hoffmann já era observada após o pleito de 2002, quando o PT chegou à Presidência da República. No entanto, o que antes era um sentimento ganhou contornos mais sólidos após 2005, quando o partido esteve no centro do Mensalão. O escândalo revelou um esquema de compra de votos em votações no Congresso por meio de propinas.
“Esse escândalo foi um divisor de águas para a imagem do PT, gerando uma forte rejeição não apenas por parte de seus opositores tradicionais, mas também de setores da população que antes tinham uma postura mais neutra em relação ao partido. Entretanto, é importante ressaltar que o antipetismo vinha se desenhando desde antes, especialmente a partir da eleição de 2002, quando o PT deixou de ser apenas uma força de oposição e assumiu o poder”, avaliou o cientista político Juan Carlos Arruda, diretor-executivo do Ranking dos Políticos.
Arruda pontua que o antipetismo não é exclusivo da direita. “O antipetismo tem raízes tanto entre setores conservadores quanto entre grupos que não se identificam necessariamente com um espectro político específico. O desgaste que o PT sofreu ao longo dos anos, especialmente com os escândalos de corrupção e as crises econômicas, levou muitos cidadãos que antes apoiavam o partido ou eram indiferentes à política a se identificarem com o antipetismo”, disse.
Outro aspecto lembrado pelo cientista político é que o lulismo, enquanto movimento capaz de mobilizar eleitores, "transcende" o próprio petismo. "Embora o PT tenha sido a plataforma que levou Lula ao poder, a força do lulismo está muito associada à liderança carismática de Lula, à narrativa pessoal de superação do presidente e à capacidade dele de se conectar diretamente com grandes parcelas da população, especialmente as classes populares".
Para além do Mensalão, a crise econômica do governo da presidente Dilma Rousseff e, posteriormente, o Petrolão e a operação Lava Jato são outros fatores avaliados por analistas como catalisadores do sentimento antipetista no país. O professor Paulo Kramer, docente aposentado da Universidade de Brasília, destaca que os acontecimentos relacionados à administração do PT permitiram que o antipetismo alcançasse pessoas que não possuíam uma orientação política definida.
“O Mensalão foi, sem dúvida, um momento de virada, pois trincou a imagem do lulopetismo para além da fronteira da bolha conservadora. Depois da Lava Jato, aí foi ‘água de morro abaixo’. Mas, eu assinalaria outra data importante: as manifestações de 2013. Elas descreveram um arco histórico, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela prisão de Lula, até chegar à vitória de Jair Bolsonaro em 2018”, disse Kramer.
Números do 1° turno reforçam crescimento do antipetismo
Um levantamento feito pela Gazeta do Povo mostrou que o PT foi vitorioso em importantes estados do Nordeste no último dia 6 de outubro, elegendo 50 prefeitos no Piauí, 49 na Bahia e 46 no Ceará. Entretanto, o Partido Liberal, encabeçado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, emplacou 40 prefeitos no Maranhão, 18 no Rio Grande do Norte e 11 na Paraíba.
Os números ganham proporção quando o cenário eleitoral de 2022 é colocado em perspectiva. Dos 13 estados que deram vitória ao petista em 2022, o PL superou o PT no número de prefeituras em quatro. Outros seis foram para o PT e três registraram empate entre as legendas.
Por outro lado, das 14 unidades da federação que votaram no ex-mandatário naquele ano, 12 elegeram mais prefeitos do PL do que do PT. Sem contar com o Distrito Federal, que não possui eleições municipais, o PL empatou com o PT somente em Roraima. Das 509 prefeituras conquistadas pelo partido de Bolsonaro, 137 foram em redutos de Lula. Por outro lado, dos 248 executivos municipais, os petistas elegeram apenas 38 gestores nos redutos de Bolsonaro.
Antipetismo cresce em meio à ascensão de PL e PSB
O cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, aponta que o antipetismo segue como uma força significativa nas eleições municipais de 2024, impulsionado por problemas na gestão do governo federal. Ele também destaca o crescimento do Partido Liberal (PL) como principal opositor ao Partido dos Trabalhadores (PT), bem como o fortalecimento do PSB no espectro político da esquerda.
“O antipetismo ainda é um movimento relevante porque o presidente da República é do PT, uma figura historicamente relacionada com os seus fundadores. [...] O antipetismo se torna muito forte, e a legenda, se teve um crescimento em relação a 2020 é porque, naquele ano, a legenda estava muito em baixa. O presidente era o Bolsonaro, e o PT vinha do desgaste da Lava Jato, dos escândalos que foram investigados, condenando muitas de suas lideranças, inclusive o próprio presidente Lula.”
Segundo Cerqueira, os problemas administrativos e econômicos do governo, como a desvalorização do real e o aumento das despesas públicas, intensificam o desgaste do PT. Esse cenário cria um campo fértil para o fortalecimento do antipetismo, que ganha força em municípios médios, ainda que o partido não tenha obtido vitórias em capitais. Cerqueira também observa que o PL se consolidou como o principal partido da direita, assumindo uma postura ideológica clara e superando outras legendas de centro-direita.
Hiperpolarização com a direita trouxe mais desafios para o PT
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o antipetismo se consolidou como uma das principais forças no cenário político brasileiro, em um contexto que ele define como "hiperpolarização". A liderança carismática de figuras como Lula e Bolsonaro, aliada ao descontentamento com a corrupção, alimenta esse fenômeno, que mobiliza uma parte significativa do eleitorado, especialmente nas eleições municipais de 2024.
“O antipetismo se consolidou como uma das principais forças do Brasil, sobretudo após os grandes escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores e a polarização política dos últimos anos, que eu gosto de chamar de hiperpolarização. [...] A figura do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados continua a mobilizar os eleitores que se opõem ao Partido dos Trabalhadores e a Lula.”
Gomes destaca que o antipetismo, intensificado pela memória dos escândalos de corrupção e pela força comunicacional da direita, tem permitido a vitória de candidatos alinhados ao PL em cidades onde o PT tradicionalmente era dominante. O cientista político também aponta que, no Nordeste, há um rompimento do "cercamento" eleitoral que o PT construiu ao longo dos anos, e que mudanças nas alianças e nas estratégias do partido, como a aproximação com lideranças evangélicas e pautas conservadoras, refletem a busca por reconquistar eleitores que migraram para a direita.