O grupo de deputados sem ideologia, a não ser o clientelismo, que conviveu sem sobressaltos com os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula mas derrubou o de Dilma, entrou no Palácio do Planalto esta semana
Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do partido e líder informal do "centrão", o conjunto de deputados que se move apenas por cargos e verbas, tornou-se ministro da Casa Civil do Brasil, uma espécie de primeiro-ministro brasileiro, na última terça-feira 27/07, a convite de Bolsonaro, substituindo o general Luiz Eduardo Ramos.
Com a nomeação para a pasta, quem
assume a vaga de Ciro é sua mãe Eliane Nogueira (PP-PI), a primeira suplente.
"Acabo de aceitar o honroso
convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente Jair
Bolsonaro. Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma
que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de
que nosso país necessita", registrou Ciro Nogueira.
O que é o "centrão"?
Para o economista Gil Castello
Branco, o secretário-geral da Contas Abertas, ONG voltada ao estímulo da
transparência nas contas públicas, que desempenhou anos a fio funções no
coração da máquina federal, "os parlamentares brasileiros não atuam apenas
individual ou partidariamente - eles unem-se em blocos para ter mais influência
e um dos blocos mais famosos é o chamado "centrão"".
O ex-baixo clero
O "centrão", portanto,
existe desde o início do período de redemocratização do Brasil. "Na
verdade", continua o académico, "já havia elementos de "centrão"
na ordem democrática de 1946 a 1964, no sentido de moderação política, mas o
"centrão" na forma atual nasce no contexto da Assembleia
Constituinte, em 1987, como um conjunto de deputados sem ideologia definida,
embora tendendo ao conservadorismo, que se une para bloquear avanços ditos
progressistas na Constituição".
"Depois da criação em 1988 do
PSDB, dissidência da ala progressista do MDB [partido que abrigou a oposição ao
regime militar], o que resta do MDB fica nas mãos do "centrão" e atua
como tal por anos", aponta.
"Em 2005, quando Severino
Cavalcanti, um deputado de pouca expressão nacional é eleito para a presidência
da Câmara dos Deputados, a imprensa usa mais o termo "baixo clero" e
menos a expressão "centrão", que volta em força só com a eleição para
o mesmo cargo de Eduardo Cunha, em 2014, sustentado pela chamada bancada BBB,
da Bíblia, da Bala e do Boi [em torno dos deputados evangélicos, polícias e
grandes latifundiários], ou seja, embora ainda sem ideologia, mais
conservador".
"O "centrão", formado
por cerca de 170 a 220 deputados de vários partidos [num universo de 513], tem
o poder de mudar o equilíbrio das forças principalmente na Câmara dos Deputados
mas também no Senado", diz ao DNPT.
Ainda segundo Castello Branco,
"o grupo varia conforme os interesses, mas o seu núcleo, os tais 170, é
constituído por deputados do PP, Republicanos, Solidariedade e PTB".
"Pode chegar, no entanto, aos referidos 220 ou mais, porque de vez em
quando inclui parlamentares de PSD, MDB, DEM, PROS, PSC, Patriotas,
Avante..."
"Esses partidos, embora se
possam classificar como de centro-direita, caracterizam-se por não ter uma
ideologia clara, o que os move é a caneta do presidente e a chave do
cofre".
Para o economista, "Bolsonaro,
que criticou em campanha a "velha política", ou seja, o modo de atuar
do "centrão", une-se agora a ele para se proteger do impeachment e
para aprovar projetos que considere importantes".
Multipartidarismo exacerbado
O cientista político Alberto Carlos
Almeida, autor de A Cabeça do Brasileiro, A Cabeça do Eleitor e O Voto do
Brasileiro, explica ao DN como esse centro político no Brasil se distingue dos
centros políticos de outras democracias.
"Centro político na câmara baixa
existe em todos os países multipartidários do mundo, os únicos onde não existe
são aqueles cujo sistema eleitoral distrital, como Estados Unidos, Reino Unido,
a própria França, gera maiorias e não precisa do centro para governar".
"Na Alemanha, por exemplo, os liberais estiveram no poder por anos, ora
apoiando os democratas-cristãos, ora apoiando a social-democracia",
destaca.
"Qual, então, a particularidade
do Brasil? Por causa do sistema eleitoral pessoalista, do federalismo e outras
variáveis há um multipartidarismo exacerbado no Brasil e os partidos de centro
não são pequenos, pelo contrário, são muito grandes e, por isso, têm um poder
de negociação enorme".
"No caso de Bolsonaro",
finaliza Almeida DNPT, "o problema é mais agudo porque ele não tem
partido". "Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, tinha uma aliança
muito sólida com o DEM, e Lula da Silva também tinha um pilar, PT, e muitos
partidos na sua órbita".
"Se bem manipulado, como foi por
Fernando Henrique e por Lula, o "centrão" até funciona como ponto de
equilíbrio na política brasileira, impedindo avanços rápidos, mas ajudando a
agenda progressista", lembra Vinícius Vieira, professor da Fundação
Getúlio Vargas e da Fundação Armando Álvares Penteado.
"A criação do SUS [Sistema Único
de Saúde, o equivalente ao SNS], por exemplo, nasceu de um compromisso entre
privados, ligados ao centrão, e o estado, na Assembleia Constituinte de
1988".
📷 Divulgação
Por João Almeida Moreira/DNPT