SAÚDE - O Futuro da Saúde Suplementar no Brasil: da Insustentabilidade dos Planos Tradicionais à Emergência dos Planos Ambulatoriais

Artigo de Opinião Técnico


Introdução

A saúde suplementar no Brasil enfrenta um dos seus maiores desafios desde a regulamentação pela Lei nº 9.656/1998 e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O modelo tradicional de cobertura — consultas, exames, procedimentos, internações e atendimento em UTI — tornou-se progressivamente insustentável, tanto para operadoras quanto para beneficiários.

Dados recentes apontam que, apesar do crescimento populacional, a taxa de cobertura por planos privados encontra-se em queda nos últimos 20 anos, alcançando o menor patamar histórico, em torno de 25% da população. Essa redução reflete não apenas o custo elevado, mas a perda de aderência do modelo às necessidades sociais e econômicas atuais.

O modelo tradicional e sua crise estrutural

O tripé obrigatório dos planos (atendimento ambulatorial, procedimentos e internações hospitalares) tem como fundamento a proteção contra riscos de alta complexidade. No entanto, a inflação médica, a judicialização das coberturas, o envelhecimento da população e a ampliação das exigências regulatórias elevaram os custos a patamares proibitivos.

Segundo relatórios da ANS e do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), as despesas assistenciais cresceram de forma desproporcional ao PIB e à renda média do brasileiro. O resultado é um cenário em que o plano integral se tornou produto de luxo, acessível a apenas uma fração da classe média e alta.

O surgimento dos planos ambulatoriais

Diante dessa crise, a ANS autorizou, em caráter experimental, a oferta de planos exclusivamente ambulatoriais. Nessa modalidade, a cobertura se restringe a consultas médicas, exames diagnósticos e atendimentos de menor complexidade, sem a exigência de rede hospitalar para internações e UTI.

Principais diferenciais:

Redução de custos operacionais: elimina o componente mais oneroso — as internações.
Acessibilidade: permite preços significativamente inferiores ao modelo integral.

Foco em atenção primária e secundária: alinhado às recomendações da OMS e às políticas de atenção primária à saúde já praticadas no SUS.


Impactos sociais e econômicos

A introdução dos planos ambulatoriais pode ampliar o acesso à saúde suplementar para famílias de baixa e média renda, trabalhadores informais, autônomos e pequenos empreendedores — grupos tradicionalmente excluídos pela barreira de preço dos planos tradicionais.

Além disso, o modelo favorece a expansão de clínicas populares multiprofissionais e a integração com plataformas de telemedicina, já regulamentadas pela Resolução CFM nº 2.314/2022. Trata-se de uma solução com alto potencial de escalabilidade e impacto positivo na saúde coletiva.


Desafios regulatórios e jurídicos

Apesar das vantagens, alguns riscos precisam ser considerados:

1. Judicialização – Pacientes podem acionar a Justiça diante de emergências não cobertas, alegando desconhecimento contratual.

2. Transparência – A comunicação clara sobre os limites do contrato é fundamental para evitar litígios.

3. Regulação futura da ANS – O modelo experimental pode sofrer ajustes, restrições ou ampliação conforme os resultados de sua implementação.

Conclusão

A crise dos planos tradicionais evidencia a necessidade urgente de inovação regulatória e empresarial na saúde suplementar. Os planos ambulatoriais não devem ser vistos como substitutos totais, mas como uma estratégia intermediária para ampliar o acesso, reduzir custos e fortalecer a atenção primária e diagnóstica no Brasil.

Se implementados com clareza contratual, governança clínica e integração com o SUS e seguros hospitalares complementares, esses planos podem representar a maior transformação da saúde suplementar desde a criação da ANS.

Referências

Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 (Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde).

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Resoluções Normativas e dados estatísticos.

Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Relatórios anuais de despesas assistenciais.

Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatórios sobre atenção primária e acesso universal.

Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 2.314/2022 (Telemedicina).


Redação Blog Du Souto
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