Defeitos se estenderam no tempo e causaram prejuízo à compradora do carro
O fato de o fornecedor levar mais de 30 dias para corrigir o defeito do produto, por si só, não basta para permitir que o comprador tenha o direito de receber a devolução integral do dinheiro gasto.
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial de uma mulher que comprou um automóvel e se viu às voltas com seguidos problemas mecânicos.
Ela comprou o carro em julho de 2014 e, em abril de 2015, precisou do fornecedor para corrigir um defeito pela primeira vez. A partir daí, o veículo apresentou seguidos problemas até o ano de 2018, quando foram finalmente resolvidos.
Foi nesse momento que ela ajuizou ação para pedir a aplicação do artigo 18, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor, conforme jurisprudência do próprio STJ.
A norma diz que, não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: a substituição do produto, a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
As instâncias ordinárias reconheceram os danos morais sofridos pela autora, por conta dos transtornos, mas afastaram a possibilidade de ela receber na íntegra os R$ 76 mil que gastou na compra do carro.
O Tribunal de Justiça de Goiás entendeu que, se o problema foi resolvido sem custos para o proprietário, ainda que tenha passado o prazo de 30 dias, a lei alcançou sua finalidade, não existindo fundamento para a devolução.
Essa conclusão foi mantida pela 3ª Turma, por 3 votos a 2. A maioria entendeu que a consumidora estaria abusando de um direito ao pedir a devolução por um produto que foi consertado e seguia em uso.
Abuso de direito
O voto vencedor foi proferido pelo ministro Moura Ribeiro, que entendeu incabível a devolução do dinheiro porque a consumidora pediu o conserto do veículo, o que foi feito, ainda que fora do prazo.
Para ele, a alternativa da restituição da quantia paga só é cabível se for feita de forma imediata, logo em seguida a verificação de que o produto se mostrou impróprio para seus fins.
“Não é, pois, razoável que o consumidor que enfrenta apenas alguns problemas possa simplesmente desistir do contrato e exigir seu dinheiro de volta. A alternativa da resolução do contrato, com restituição da quantia paga, há de ser medida extrema, quando se mostre inviável uma assistência técnica de forma eficaz, efetiva e eficiente.”
Na visão do ministro Moura Ribeiro, a consumidora tentou abusar do direito garantido pelo CDC. A conclusão foi acompanhada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze e reforçada no voto de desempate do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
“O objetivo da legislação, ao estabelecer um prazo para a correção do vício do produto pelo fornecedor, foi exatamente o de prevenir a adoção de medidas desarrazoadas no cumprimento dos direitos do consumidor. Com a devida vênia, parece-me ser essa a hipótese dos autos”, disse.
Restitui, sim
Ficaram vencidos a ministra Nancy Andrighi, relatora, e o ministro Humberto Martins. Para eles, a pessoa que comprou o carro defeituoso tem o direito de pleitear a restituição imediata da quantia paga.
A relatora destacou que, no caso, não houve inércia por parte da consumidora, que teve que suportar três anos de idas e vindas à oficina para conserto de diversos problemas até decidir ajuizar a ação.
“Ou seja, os vícios foram sanados após mais de 3 anos e não dentro de 30 dias, como determina a lei. Tamanha extrapolação do prazo, rogando as mais respeitosas vênias, é que não se revela razoável ou proporcional.”
Assim, nada impede que ela exerça o direito garantido pelo CDC: exigir, alternativamente, a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
“Se o consumidor não faz uso das prerrogativas que a Lei lhe confere, possibilitando, assim, que o fornecedor, eventualmente, finalize o reparo após o prazo de 30 dias, isso representa mera liberalidade do consumidor, não importando renúncia do seu direito”, disse a ministra.
“Em outras palavras, a prevalecer a posição divergente, estar-se-ia estimulando o ajuizamento de ações judiciais desnecessárias em detrimento de tentativas de autocomposição”, concluiu.
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