Especialistas explicam como funciona a medida cautelar que protege o patrimônio comum e evita a ocultação em divórcios que envolvem altos valores

O episódio mais recente do divórcio da empresária, apresentadora e influenciadora Virginia Fonseca foi o pedido de bloqueio de seus bens no valor de R$ 200 milhões pelo seu ex-marido, o cantor Zé Felipe. O caso gerou dúvidas sobre o bloqueio de bens em divórcios. O uso do recurso é comum? Como funciona? E quais bens podem ser bloqueados?
Para responder essas e outras questões a reportagem do InfoMoney conversou com três especialistas em Direito de Família: Vanessa Bispo, sócia do MLD Advogados; Vanessa Paiva; e Lucas Menezes, advogado especialista em direito de família e sócio do Pessoa & Pessoa Advogados.
O que é bloqueio de bens e por que ele é solicitado?
Segundo a advogada Vanessa Bispo, “quando está sendo discutida a partilha de bens e uma das partes não conhece o patrimônio da outra, é normal que se peça o arrolamento (bloqueio) dos bens para que se conheça o patrimônio a ser dividido”. Ela explica que, por cautela, é comum pedir o bloqueio de 50% dos bens (a meação) até o julgamento da ação judicial, para evitar que o cônjuge que os administra exclusivamente os venda ou oculte.
No caso, cujos detalhes foram veiculados pelo portal F5, do jornal Folha de São Paulo, Virginia Fonseca teria declarado patrimônio de R$ 400 milhões. Contudo, a defesa do cantor Zé Felipe teria estimado o patrimônio da influenciadora em R$ 700 milhões e, por isso, acabou pedindo o bloqueio de R$ 200 milhões (50% do que foi declarado por Virgínia).
O advogado Lucas Menezes explica que casos de divórcio que envolvem patrimônio elevado – especialmente com figuras públicas ou empresários – “não são incomuns e, muitas vezes, exigem medidas cautelares para preservar o direito de cada cônjuge à sua parte na partilha”, como é o bloqueio de bens.
A advogada Vanessa Paiva reforça que o bloqueio é uma “tutela de urgência de natureza cautelar”, usada para preservar o patrimônio partilhável até a decisão final, especialmente quando há suspeita de ocultação ou risco de dilapidação.
Como o bloqueio de bens é decidido e aplicado?
O bloqueio de bens não é automático. O juiz avalia dois requisitos principais: a plausibilidade do direito (fumus boni iuris) e o risco de dano irreparável (periculum in mora).
Bispo afirma que “o juiz avaliará se estão presentes os requisitos processuais, analisará os riscos desse patrimônio ser dissipado e então julgará o pedido de bloqueio”.
Uma vez deferido (autorizado), o bloqueio pode recair sobre contas bancárias, imóveis, veículos e até aeronaves, tornando-os indisponíveis para movimentação ou venda até a definição da partilha.
Um ponto importante: cartões de crédito não são afetados por bloqueios. “Eles não são alcançados pela determinação porque não representam patrimônio, e a medida é sempre proporcional para garantir a partilha sem inviabilizar a vida financeira da pessoa”, explica Menezes.
Quais bens compõem patrimônio? E quais podem ser bloqueados?
No regime de comunhão parcial de bens, como no caso de Zé Felipe e Virginia, todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento são considerados patrimônio comum e devem ser divididos. Bispo explica que “todos os bens (móveis e imóveis) auferidos durante a união, em princípio e em regra, são partilháveis, exceto aqueles que são frutos de herança ou sub-rogação de bens particulares”.
O patrimônio inclui imóveis, lucros empresariais e rendimentos obtidos durante a união.
Além disso, segundo Paiva, “a renda da empresa e lucros gerados também são considerados patrimônio quando refletem o esforço comum durante o casamento, mesmo que formalmente constem apenas em nome de um dos cônjuges”.
Mas há valores que ficam de fora da divisão no regime de comunhão parcial de bens. Bens anteriores ao casamento, doações com cláusula de incomunicabilidade e proventos do trabalho pessoal são incomunicáveis, segundo Menezes.
As redes sociais da Virgínia e os valores recebidos por direito de imagem são patrimônios partilháveis?
No processo de divórcio de Zé Felipe e Virgínia, valores recebidos pela influenciadora do SBT, canal que transmite seu programa de TV, e direitos de imagem fazem parte do questionamento da defesa do ex-marido quanto ao seu real patrimônio.
“É fundamental fazer uma distinção: o direito de imagem em si é personalíssimo –pertence exclusivamente à pessoa e não entra na partilha. Contudo, a exploração econômica do direito de imagem, quando gera rendimentos ou bens, pode compor o patrimônio comum do casal, desde que os frutos tenham sido adquiridos durante a união”, explica Menezes.
A exploração do direito de imagem pode ocorrer por meio de empresas constituídas para administrar contratos de publicidade, eventos, licenciamentos etc. “Nesse caso, o que será analisado é se a participação societária nessas empresas foi adquirida durante o casamento, se gerou lucros e se há indícios de que a estrutura está sendo usada para esconder patrimônio”, explica.
Outro ponto de atenção está nas redes sociais de Virginia, ou “ativos sociais”, que acumulam 93,2 milhões de seguidores, somando Instagram (52,8 milhões) e TikTok (40,4 milhões). “Assim como o direito de imagem, o perfil em si — o @usuário, a senha, o controle sobre as postagens — é um direito personalíssimo, vinculado à identidade e à liberdade de expressão de seu titular. Portanto, o perfil não é partilhado. Porém, se a conta cresceu e passou a gerar receita durante o casamento, esse ativo digital pode sim ser considerado parte do patrimônio comum, ainda que a titularidade do perfil continue com um só cônjuge”, explica.
Ainda assim, as redes sociais de Virginia não foram citadas pela defesa do ex-marido no pedido de bloqueio de bens, segundo a imprensa.