Reestabelecimento de vínculos e o resgate da dignidade são alguns dos frutos do trabalho do órgão ministerial
Devolver a dignidade como cidadãos e recuperar vínculos familiares, com a retirada, em alguns casos, de pessoas que estão vivendo em situação de rua, dessa situação. É o que vem fazendo o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) por meio da 18ª Promotoria de Justiça de Mossoró em parceria com o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupa/MPRN) e a rede de proteção social do Município.
Os atendimentos ofertados pelo MPRN são provenientes de demandas espontâneas, referentes à situações individuais de pessoas que abandonaram a família ou foram abandonadas. O trabalho em conjunto envolve, além da promotoria, equipamentos municipais como os CREAS, os CRAS, o CAPS e acolhimento na Casa de Passagem ou no Abrigo Temporário. Os locais ofertam serviços especializados na área de assistência social e de saúde.
Entre os casos, está a história de um homem que tinha 57 anos na época dos fatos, em novembro de 2022. O cidadão foi encaminhada à 18ª Promotoria de Justiça de Mossoró depois que o Hospital Regional Tarcísio de Vasconcelos Maia não identificou um local para encaminhá-lo após a alta médica. Pessoa com transtorno mental que abandonou a família há mais de uma década e que morava em um galpão, o homem chegou desacordado ao hospital, onde constatou-se que sofrera um acidente vascular cerebral que comprometeu a sua saúde física e mental.
No atendimento, o paciente informou que não tinha certeza sobre o próprio nome ou de familiares. O MPRN acionou o ITEP para coletar as digitais e realizar busca no banco de dados. Após a confirmação da identidade foi possível localizar os filhos, com quem o homem não tinha contato desde 2009. Os fatos demonstraram que o mesmo vivia há pelo menos 10 anos em situação de rua.
Com a parceria do MPRN com a rede de proteção social do Município, foi possível fazer a emissão de documentos pessoais, o recebimento de benefício socioassistencial e acolhida na Casa de Passagem em Mossoró. O atendimento buscou ainda o reestabelecimento do vínculo familiar, visto que se tratava de uma situação de extrema vulnerabilidade, incluindo dependência química.
A promotoria de Justiça fez um trabalho de sensibilização junto aos familiares e duas filhas o visitaram, uma delas, inclusive, viu ali o pai pela primeira vez. O reencontro foi marcado por forte emoção das partes e houve um desejo de retomar o convívio.
A concretização do retorno só não foi possível pois o homem veio a óbito pouco tempo depois do encontro. “Esse caso mostra que as principais motivações para a ida para as ruas envolve fatores como vulnerabilidade socioeconômica, drogadição, quadro de adoecimento mental e a fragilidade dos vínculos familiares”, destacou o 18º promotor de Justiça, Hermínio Souza.
Sob esse aspecto, o representante ministerial citou outra demanda que chegou ao MPRN e contou com a atuação conjunta com o NUPA, justamente porque envolvia o restabelecimento dos vínculos familiares. Trata-se da história de uma dona de casa de 39 anos, pessoa com transtorno mental abandonada pela família. A 18ª Promotoria recebeu a informação de que a mulher morava sozinha e passava o dia gritando e chorando, apresentando risco de suicídio.
“As soluções traçadas englobaram a internação para a estabilização da saúde mental e a reaproximação entre mãe e filhos. Realizamos uma audiência ministerial em que foi possível sensibilizar os irmãos para cuidarem também daquela mulher”, contou Hermínio Souza. Do mesmo modo, foram assegurados os serviços da rede pública municipal de saúde e de assistência social.
Com a saúde mental estabilizada, a mulher passou a fazer acompanhamento com o CAPS e a contar com o auxílio de um irmão. Também buscou-se trabalhar o rompimento dos vínculos familiares com os filhos através do CRAS. No entanto, como tais relações permaneciam fragilizadas, o NUPA foi acionado. “Após a intervenção do NUPA, essa possibilidade foi aberta e esses vínculos vêm sendo trabalhados”, disse o promotor, explicando que mãe e filhos aceitaram participar dos ciclos autocompositivos.
Outro caso que teve um final feliz foi o de outra mulher de 42 anos. A mulher foi encontrada em um surto psicótico em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Mossoró, em abril de 2023, sem documentos e sem saber o próprio endereço. Ela só soube dizer os primeiros nomes da mãe e da irmã e que havia nascido em Salvador. A 18ª Promotoria de Justiça de Mossoró localizou esses familiares e descobriu que a pessoa constava na lista de desaparecidos da Polícia Civil da Bahia (PCBA).
Em colaboração com a PCBA e o Ministério Público da Bahia, o MPRN estabeleceu contato com os familiares da mulher e soube que ela tinha um longo histórico de desaparecimentos. O último foi registrado em 2021. Em quatro meses, a 18ª Promotoria de Justiça, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social de Mossoró e o ITEP-RN, conseguiu emitir os documentos pessoais dela. Posteriormente, a mulher foi transportada de volta à sua cidade natal em um veículo fornecido pela Prefeitura de Mossoró, onde foi recebida e acolhida pela família.
Atuação ministerial
A 18ª Promotoria de Justiça tem como principal objetivo a promoção da cidadania e dos direitos humanos, com foco na família. Suas atribuições incluem a promoção da parentalidade responsável, a fiscalização do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) em relação às políticas para pessoas em situação de rua e a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e transtorno mental.
Já o NUPA possui o papel fundamental de buscar a promoção do restabelecimento de vínculos, através das práticas autocompositivas. Nas audiências, o objetivo é acolher, orientar e sensibilizar os familiares sobre a situação do indivíduo abandonado.